domingo, 30 de maio de 2010

sábado, 21 de novembro de 2009

sábado, 8 de agosto de 2009

quarta-feira, 11 de março de 2009

Pesquisa de imagens - Universo militar / Woyzeck, por Matheus Lima.







Pesquisa de imagens sobre Universo Feminino / Maria, por Helena Marques





"(...) cor que caracteriza o Universo feminino biológico: o vermelho. O sangue. Donde ela nasce, donde ela é, se faz mulher, na menarca ("ficou mocinha", explicam as outras: já pode procriar), o milagre da multiplicação, o milagre da parição. O "sangue do meu sangue": fruto que afiança a linhagem"

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

O Grotesco - “‘Grotesco! grotesco!’ – Woyzeck” - Wolfgang Kayser

por: Jefferson Almeida

Qual o aspecto sob o qual se apresenta o mundo em Woyzeck e que permite um procedimento tão artificioso?. (KAYSER: 1986, 84)

É afim de responder perguntas como essas que Wolfegang Kayser se dedica neste capítulo tão generoso a despeito da obra de George Büchner, mais especificamente, Woyzeck.

O drama büchniano, escrito em 1837, ganha, aqui uma atenção especial no que diz respeito as possibilidades de se trabalhar o grotesco, em várias camadas, na sua concepção. Desde a dramaturgia – inacabada pela morte prematura do autor – até possíveis resultados cênicos são estudados aqui como uma fonte inesgotável desse gênero – o grotesco – ao qual Kayser se detém por relevantes162 páginas.

O foco do estudo de Kayser não é o de encerrar conclusões, mas, apontar para caminhos, dentro de seu campo de perspectiva, logo, alguns apontamentos, algumas aproximações são feitas, mas não, homologadas.

Seguirei, então, recolhendo citações do texto e fazendo os comentários que forem necessários.

“Em tudo exijo… vida, possibilidade de existência, aí está certo; não precisamos, então perguntar se é bonito ou feio. A sensação de que tudo quanto é criado tem vida, deve estar acima destes dois aspectos e ser o único critério em coisa de arte.” Frases como esta, em que Lenz, dentro do relato büchneriano, manifesta seu enfoque básico, foram, com toda razão, encaradas como opiniões do próprio Büchner. É possível opor-lhes algumas confissões, de vibração parecida, inseridas em suas cartas. Mas, a nosso ver, carecem de fundamento as conclusões ulteriores, segundo as quais semelhante adesão evidente a um realismo rigoroso oferecia firme alicerce para a interpretação das obras de Büchner. (KAYSER: 1986, 83-84) (grifo nosso)

Quando se lêem, em seu contexto, frases como a acima citada, percebe-se logo que Büchner-Lenz[1] não concebem, de modo algum, a obra de arte como uma composição de cenas da realidade[a], precisamente observadas e fielmente reproduzidas. (KAYSER: 1986, 84)

“É preciso amar a humanidade para penetrar na essência particular de cada um; ninguém deve parecer demasiado humilde, ninguém demasiado feio, só assim é possível compreendê-la.” (KAYSER: 1986, 84)

A tarefa que se consigna à obra de arte, a saber, dar algo a sentir numa medida especial e uniforme, relacionando-se amiúde com o seu caráter de “conformação”[b] (gebilde). (KAYSER: 1986, 84)

“Desenho minhas figuras tal como as considero adequadas à natureza[c] e à história”.
O aspecto, sob o qual se efetua a configuração unificadora da obra de arte, deve ser um dos aspectos sob os quais se apresente a própria natureza, eis o cerne da estética de Büchner. (KAYSER: 1986, 84)

A natureza é uma da molas de compreensão do homem há muito e uma das que resistem bravamente, a este respeito é dito em Marat/Sade – A Perseguição e Assassinato de Jean-Paul Marat Encenada Pelos Internos do Asilo de Charenton sob a direção de Marquês de Sade, peça de Peter Weiss, filmografada por Peter Brook:

“Mas o homem deu falsa importância para a morte. Todo animal, planta ou homem que morre, e mais alguns compostos da natureza viram esterco, e sem ele nada cresceria, nada poderia ser criado. A morte é simplesmente parte do processo. Toda morte, até a mais cruel se afoga na total indiferença da natureza. A natureza olhará indiferente, se destruirmos toda a raça humana. Eu odeio a natureza. Este espectador sem paixão, este rosto endurecido pelo tempo que pode suportar tudo. Isso nos leva a cometer atos cada vez maiores. Mas embora odeie esta deusa, vejo que os grandes atos na História seguiram as leis. A natureza ensina o homem a lutar por sua felicidade. E se ele deve matar para alcançar essa felicidade, então o assassinato é natural. Não esmagamos sempre os mais fracos que nós? Não decaptamos os poderosos com uma contínua luxúria e maldade? Não experimentamos em nossos laboratórios, antes de aplicar a solução final!? O homem é um destruidor. Mas se mata e não tem prazer nisso é uma máquina. Deveria destruir com paixão, como um homem. (grifo nosso)

“Encontro na natureza humana uma horrível igualdade, nas relações humanas uma força iniludível, outorgada a todos e a ninguém. O indivíduo é somente espuma sobre a onda, a grandeza um mero acaso, o império do gênio uma peça de marionetes, uma lida ridícula contra a lei férrea, que se reconhece por fim como superior, que é impossível de dominar.” – “O que é isso que dentro de nós mente, assassina e rouba?” – “Ai de nós, pobres músicos barretes! Os gemidos em nosso suplício existirão apenas para que atravesses as fendas de nuvens e, ressoando mais e mais longe, morram como um sopro melodioso nos ouvidos celestiais?” (KAYSER: 1986, 84-85)

Em frases deste tipo se manifesta o temor diante do “fatalismo”[d], isto é, diante da falta de liberdade do homem, da sensação de ser determinado e impelido, o temor diante dos poderes obscuros, sinistros e incognoscíveis, que atuam por nosso intermédio e assim zombam de toda razão humana. Büchner registra em suas cartas um topos, que ele também coloca na boca de suas personagens: o mundo como teatro de títeres[2]. (KAYSER: 1986, 85)

Woyzeck e Marie destacam-se entre as demais personagens apenas por terem alma. Experimentam a impotência de tudo o que é humano, e sofrem por causa de si mesmos e do mundo. A plasmação da criatura sofredora, em Woyzeck e em Marie, pertence a expressão formal do drama, e o fundo significativo que lhes corresponde, amplia o fundo significativo do tragicômico, cuja comprovação a partir da expressão formal nos interessa antes de mais nada. (KAYSER: 1986, 86 – Nota 41)


Bibliografia

BÜCHNER, George / 1813 - 1837
“Woyzeck” In.: Büchner: na pena e na cena / J. Guinsburg e Ingrid Dormien Koudela, (organização, tradução e notas). – São Paulo: Perspectiva, 2004. p. 235-302

KAYSER, Wolfegang
“Grotesco! grotesco! – Woyzeck” In.: O Grotesco/ Wolfegang Kayser; tradução J. Guinsburg – São Paulo: Perspectiva, 1986. p. 83-86
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[1] A junção dos dois nomes (do autor e da personagem) num mesmo substantivo, serve para, mais uma vez, indicar que o primeiro se utiliza do discurso do segundo para expressar uma opinião que, na verdade, é a sua.
[2] “Com isto não negamos que em Büchner a palavra ‘teatro de marionetes’ soe mais amarga, aflitiva e atormentada.” (KAYSER: 1986, 85)
“ Aquele aspecto, relativo ao mundo, que poderíamos definir, com as formulações büchnianas, como o do teatro de marionetes ou de Callot-Hoffmann, se converte no aspecto em que o mundo de Woyzeck é criado, unificado e conscientemente exagerado.” (KAYSER: 1986, 85-86) (grifo nosso)
“Percebe-se de novo como neste caso um princípio estrutural do teatro de bonecos, que em si pode ter um efeito absoluto e puramente cômico, recebe um significado mais profundo e um conteúdo conceitual cósmico, que juntam o sorriso ao tremos diante do mundo onde os homens não são mais eles mesmos.” (KAYSER: 1986, 86)


[a] Na obra dramaturgia de Büchner é interessante perceber o que concerne a cena cotidiana, aqui chamada de cena da realidade, e que nela acontece de forma trivial, ou seja, os textos onde são utilizados ambientes, ações e diálogos do dia-a-dia, como em Lenz, por exemplo. Em Woyzeck, ao contrário, a ação se passa no que podemos chamar de realidade natural: aqui o tempo em que as ações se dão é o tempo da natureza (vide nota C) e não o tempo da realidade que, por sua vez é determinado, quase sempre, pelo código do tempo (segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses, anos, séculos, etc.)

[b] Conformação, aqui, quer significar uma não contestação ao futuro que lhe é apresentado. Exemplo: Woyzeck é obrigado a trabalhar de forma sobre-humana para dar a Marie e ao filho tudo que precisa e a esta condição, ele se conforma.

[c] Büchner encara, em suas obras, a natureza como a gestora da força que move as personagens. A natureza como aquilo que é a matéria-prima do homem, ao animal da raça humana. Sartre diria que o homem lembrará que é animal quando necessitar de encher-se e esvaziar-se, Büchner parece querer fazer com que os homens lembrem-se que são animais; eles não o são, conscientemente, mas agem como o tal instintivamente, logo, naturalmente. Em Woyzeck a categoria animalesca das personagens são, em suma, o que lhes constituem; o Pregoeiro, no fragmento 3, parece descrever todas as personagens que formam o hall da peça dizendo: Tudo neles é educação, apenas têm uma razão animalesca, ou antes uma animalidade inteiramente racional.
“Animal maluco. O homem é um animal maluco. Sou um animal maluco.” (Marat/Sade)

[d] Para melhor explicar o que está sendo chamado de fatalismo, usarei uma citação do próprio Kayser neste mesmo capítulo: “Pois já não é Deus quem escreveu os papéis dos seres humanos e movimenta os bonecos, mas um id (es) inapreensível e sem sentido.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Para saber mais

Se você ficou interessado(a) e deseja conhecer mais sobre a obra e a vida de Gerog Büchner, segue abaixo a indicação de várias obras sobre o autor e análises de seu trabalho.


BIBLIOGRAFIA SOBRE GEORG BÜCHNER


ARON, Irene. A modernidade de Georg Büchner. Fragmentos. Santa Catarina (UFSC), v. 1, n. 1, p. 178-184, jan. 1986.

___. O "Lenz" de Peter Schneider e seu modelo, o "Lenz" de Georg Büchner. Cadernos da Semana de Literatura Alemã Contemporânea; III Semana de Literatura Alemã 1989: Literatura como Fonte de Literatura. São Paulo (USP), v. 2, p. 27-37, 1989.

___. Was keine Variante mehr zuläßt ist der Tod. Projekt. Revista de cultura brasileira e alemã. São Paulo, v. 4, p. 16-17, out. 1991.

___. Georg Büchner e a modernidade. São Paulo: Annablume, 1993.

___. Georg Büchner e a modernidade extemporânea. Fundadores da modernidade na literatura alemã. Anais da VII Semana de Literatura Alemã. Org. Eloá Heise. São Paulo (FFLCH-USP), p. 47-56, 1994.

BROMBERT, Victor. Georg Büchner: o idioma do anti-heroísmo. In: ___. Em louvor de anti-heróis. Figuras e temas da moderna literatura européia 1830-1980. Tradução de José Laurenio de Melo. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. p. 25-44.

GUINSBURG, Jacó; KOUDELA, Ingrid Dormien. (Org.). Büchner: Na pena e na cena. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2004.

MAGALDI, Sábato. O texto no teatro. São Paulo: Perspectiva / Edusp, 1989. (Estudos, 111).

PEIXOTO, Fernando. Georg Büchner; A dramaturgia do terror. São Paulo: Brasiliense, 1983. (Encanto Radical, 27).

REDONDO, Tercio Loureiro. Lenz no Jardim - considerações em torno do olhar e da figura feminina na narrativa Lenz, de Georg Büchner. 2000. Dissertação (Mestrado em Língua e Literatura Alemã) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.

RIBEIRO, Leo Gilson. Cronistas do absurdo: Kafka, Büchner, Brecht, Ionesco. 2. ed. Rio de Janeiro: José Álvaro, 1965.

ROSENFELD, Anatol. O teatro épico. São Paulo: Desa, 1965. (Buriti, 5).

___. Teatro moderno. 2. ed. São Paulo: Perspectiva,1985. (Debates, 153).

THEODOR, Erwin. O trágico na obra de Georg Büchner. São Paulo: Fac. Filosofia, Ciências e Letras (USP), 1961.

___. Temas alemães. São Paulo: Conselho Estadual de Cultural / Comissão de Literatura, 1965. (Ensaio, 41). (Analisa A morte de Danton e Woyzeck, de Büchner)

A VIDA E OBRA DE GEORG BÜCHNER

BIOGRAFIA DE GEORG BÜCHNER

traduzido por Raphael Cassou.


Nasceu em 17 de outubro de 1813 no Gran Ducado de Hesse-Darmstadt. Büchner foi educado em uma escola privada e no Gymnasium Darmstadt. Seu pai, um médico a serviço do Gran Duque, na aprovava as tentativas de Georg no campo literário. Ele o encorajava a enfocar seus interesses em assuntos de caráter científicos. Ainda jovem, Georg Büchner estudou zoologia e anatomia comparada em Estrasburgo onde ele teve o primeiro contato com um grupo de estudantes politicamente radicais. Nesta cidade, ele secretamente tornou-se noivo de Minna Jaeglé, filha de um pastor que hospedava o jovem Büchner.


Depois de retornar a Hesse para dar prosseguimento aos estudos na Universidade de Giessen, Büchner sofreu um ataque de meningite. Sob influência dos estudantes radicais aos quais ele havia se associado em Estrasburgo, decidiu ajudar a fundar a revolucionária “Sociedade dos Direitos Humanos”. Em 1834, em companhia de um agitador político, o Pastor Weidig, ele escreve e distribui um panfleto ilegal intitulado “O correio de Hesse” o qual, desde então, é considerado como um dos mais brilhantes panfletos políticos em língua alemã. Büchner foi rapidamente denunciado como sendo o autor do panfleto, mas por falta de evidências e por se declarar inocente, Büchner teve sua prisão postergada o que permitiu a ele retornar para sua casa em Darmstadt.


Durante um período de cinco semanas, em 1835, Büchner secretamente escreveu A Morte de Danton, uma tragédia que descreve as desilusões do ativista Danton com a Revolução Francesa. Em março desse mesmo ano, Büchner foge para Estrasburgo, para evitar sua prisão e nunca mais retornou a Alemanha ou se engajou em atividades políticas.


Em 1836, ele escreveu uma comédia romântica intitulada Leonce e Lena para uma competição literária, mas ele perdeu o prazo de inscrição para o concurso e sua peça sequer foi lida. Neste mesmo ano, ele provavelmente começou a trabalhar em sua obra prima inacabada, Woyzeck [...]
A peça é muito provavelmente baseada em um incidente real, pois existem registros de um barbeiro chamado Woyzeck que foi julgado e sentenciado à morte por assassinato na década de 1820. Anos após a morte de Büchner, esta obra teria se transformado em uma ópera nas mãos do modernista Allan Berg (Wozzeck).
Büchner posteriormente tornou-se Doutor em filosofia pela Universidade de Zurique e foi nomeado Conferencista em Ciências Naturais após uma prova discursiva sobre nervos cranianos dos peixes. Dentre seus trabalhos literários destacam-se, uma novela (Lenz), as traduções de duas peças de Victor Hugo, a comédia romântica (Leonce e Lena), uma tragédia completa (A Morte de Danton), e um grande fragmento (Woyzeck).


Em 19 de fevereiro de 1837, pouco antes de finalizar Woyzeck, Georg Büchner morreu de tifo após passar cerca de 17 dias lutando contra a doença. Ainda não havia completado 24 anos de idade. O autor nunca chegou a ver uma de suas peças montadas. Hoje, Büchner é considerado um dos precursores do Naturalismo e do Expressionismo.




Fonte: http://www.imagi-nation.com/moonstruck/clsc29.html
Acessado em: 10/11/2008

O PREFÁCIO DE ARTHUR ADAMOV

Büchner, Georg. Théatre Complet: La Mort de Danton, Léonce et Lêna, Woyzeck. 1953, L’Arche Editeurs, Paris.




Prefácio de Marthe Robert e Arthur Adamov
(traduzido por Raphael Cassou)




George Büchner nasceu em 17 de outubro de 1813 em Goddelau próximo a Darmstadt. Ele ainda não havia completado 17 anos quando eclodiu a Revolução Francesa de 1830. Como muitos jovens alemães, ele se encheu de entusiasmo pela liberdade que era agora encarnada pela França. Em 1831, sua família o envia à Strassburgo para a feira de estudos científicos. Apaixonado pelas ciências naturais, a esta altura ele já compartilhava em seu espírito das tendências científicas e da necessidade de criação literária.
De volta à sua província ele é convocado a participar de um movimento revolucionário que se dirigia contra o poder dos Príncipes, movimento este que foi muito rapidamente sufocado.
Ameaçado por causa de sua relação com os chefes do movimento, ele refugia-se primeiramente na casa de seus pais em Darmstadt, onde escreve A Morte de Danton aos 22 anos de idade.
Temendo sempre a polícia, ele se muda para a cidade de Rhin e, posteriormente, retorna à Strassburgo, onde obtém o perdão e entrega-se ao trabalho. Ele traduz Lucrecia Bórgia e Mary Tudor, escreve uma novela: Lenz e uma comédia: Leonce e Lena. Ele inicia também a sua segunda peça: Woyzeck, que permaneceu inacabada.


Aos 23 anos ele parte para Zurique, onde assume o cargo de professor da Faculdade de Filosofia. É nesta cidade que alguns meses mais tarde, no dia 19 de fevereiro de 1837, ele morre de tifo.


Nenhuma de suas peças foram encenadas com o seu autor em vida. Na Alemanha, é encenado por Reinhardt que redescobriu Büchner entre as duas guerras mundiais.
George Büchner morreu aos 24 anos deixando uma obra em parte incompleta que, após 150 anos, tem para nós uma potência e uma eficácia que na sua época era longe de suspeitas. Dotado de uma inteligência vasta e aguda, alguns anos lhe foram suficientes para dar uma volta pelo campo das idéias filosóficas e científicas que fermentavam em sua época, para impregnar-se e libertar-se. Ele não somente se lançou na vida política, ele mergulhou brutalmente na duplicidade ligada a qualquer ação, que não demorou em renunciar. Ele julgava sua época terrível e apaixonante, e foi convocado a contá-la sob a forma de poema, porém preferiu usar a forma que se impôs a ele com mais força: a do drama.


Por volta de 1830, Büchner encontrou a sua frente uma Alemanha perturbada e confusa, com sua cena teatral esvaziada na qual o melhor que se apresentava eram os fantoches de Kotzebue ou imitações rasas dos clássicos franceses. Deste Teatro vazio de conteúdo e de vida, Büchner quis preenchê-lo, fazer deste um espaço privilegiado para a representação e simbólico para a ação humana. O autor acreditava que a representação deveria ser o mais próximo possível da realidade, este seria o sinal de ruptura necessário para ele rever a sua época.


Como que para sublinhar ainda mais o tempo, que foi singularmente medido por Büchner, este é o verdadeiro herói da sua obra. É o tempo que, pela sua precipitação, pelo seus atalhos, por seu uso dissimulado ou por sua lentidão, escava um vazio que o homem esforça-se para preencher, e que o faz sem conhecer o seu real sentido. A obsessão pelo tempo, o pânico do espírito, que na frente deste dado incompreensível e que obstina-se a querer apreendê-lo, constitui em Büchner o motivo constantemente presente em sua cena, ao lado e atrás das personagens. Crendo obedecer às suas idéias, as suas paixões e as suas leis, os heróis são realmente joguetes do tempo e de suas necessidades.


Como homem à frente de sua época, para quem a história começa a aparecer como um fenômeno perceptível, Büchner extrai da História a imagem mais grandiosa e mais sangrenta desta influência do tempo sobre o homem. Para ele, é ao mesmo tempo a prova e o símbolo do abandono ao qual é condenada qualquer vida, abandono sem recursos, dado que o homem não sabe que ou de que é abandonado uma vez que ignora a causa primeira deste abandono, se ele é o responsável ou simplesmente vítima. O drama histórico não é por conseguinte aqui um simples pretexto para se fazer desenrolar na frente dos espectadores os acontecimentos passados a frio da imaginação e sem qualquer elaboração. É uma imagem complexa, difícil de decifrar, perturbada por mil contradições, uma situação que é verdadeiramente a única conhecida pelo homem, uma vez que por sua natureza, ele nunca é apanhado pelo tempo. E como esta imagem não seria sangrenta e suja, já que a existência é marcada de um extremo ao outro pelo tempo e pela destruição?


Os contemporâneos de Büchner censuraram A Morte de Danton, por sua imoralidade inata e os seus tons acentuadamente sombrios. Mas esta censura banal dirigia-se, com efeito, à lucidez que se recusa a qualquer cautela e que descobre a crueldade.
A crueldade, em Büchner, não está somente ligada à pressão dos acontecimentos ou da ignorância na qual os homens se encontram, nas conseqüências de seus atos ou ainda na luta cega que opõe uns aos outros, mas aproxima-os ou afasta-os em uma semi-consciência deles mesmos, a crueldade büchneriana é a expressão de uma ignorância fundamental, a do homem em relação à vida. Falta saber porque eles existem, os heróis de A Morte de Danton procuram razões para existir, mas este pretexto é insuficiente e miserável. Eles mesmos não acreditam inteiramente nesta possibilidade. Pouco importa que para alguns, como Robespierre, há muito da história que se confunde com a sua própria pessoa, a catástrofe não recairá menos sobre sua cabeça.


Na cascata de violência e de mortes que marcam o caminho de uma revolução, não existem mais causas perceptíveis que se detectam isoladamente no drama de Woyzeck, o homem miserável e sem poder que destrói ao mesmo tempo pela fatalidade de sua natureza, pelos ataques que vêm do exterior e por uma força que não possui nome.


De A Morte de Danton à Woyzeck, a crueldade desce nas profundidades da humilhação e o drama despoja-se da retórica para atingir a crueza da ação e da linguagem. Os acontecimentos são reduzidos, assim como a ação, em apenas alguns pontos de contato efêmeros entre as personagens. O diálogo não está mais lá para estabelecer uma ponte entre eles, mas para revelar a impossibilidade de reencontro.
Enquanto que para os heróis de A Morte de Danton a retórica mascarava tanto o mal quanto o medo da morte, o empobrecimento da linguagem em Woyzeck revela um paroxismo do medo que vai até o desejo da morte. Quaisquer palavras pronunciadas por Woyzeck não trarão senão a morte para todos, mistério que, em seu cérebro doente, é também o mistério de vida e da sexualidade. Assim de Danton à Woyzeck a luz muda e o ar se rarefaz, pois o amor e a morte mudam de signos e a crueldade muda de forma.
No drama revolucionário, a crueldade reside na sucessão de fatos, sucessão esta que desloca incessantemente a culpabilidade dos heróis. Em Woyzeck, ela resulta de sua simultaneidade, que opõe os personagens não por causa de uma hostilidade fortuita, mas por causa de sua existência, como que separadas. Nestes anos, Büchner vai além deste ponto onde os acontecimentos são encarados como terríveis e escandalosos, vai a este outro ponto ainda mais inquietante onde a vida por si só é o objeto de escândalo. Neste ínterim, não há mais apaziguamento possível, o espírito está congelado na sua razão de ser mais profunda, porque ele compreende que a separação não é um acidente histórico, mas o mal próprio ao homem.
Todos os personagens de Woyzeck, possuem essa doença. Woyzeck deliria, o Doutor é um maníaco e o Capitão é um melancólico. Mas estes fundos comuns de doença só fazem com que eles se separem mais irremediavelmente. Cada um é prisioneiro de seu mal particular e de suas ações. Cada personagem é levado a ser vítima e carrasco.


Na obra George Büchner – e nela ele anuncia toda uma literatura – esta prisão de consciência que é a natureza profunda do “mal”, que provoca a combinação do trágico e do cômico, o humor tem uma certa maneira de ver o trágico e uma revanche eficaz sobre ele.
Esta revanche Büchner a toma, sem violência desta vez, com graça e espírito da única comédia que escreveu, Leonce e Lena, cujo tema é voltado à comédia satírica. A sátira, em efeito, por causa das altas funções sociais e da honra dos indivíduos, são caricaturizadas, mas a sátira é também metafísica porque a caricatura desenha a impotência do espírito diante das leis naturais – e a grande fadiga que decorre da impotência. Quando Büchner se vê em Leonce, ele é tão melancólico e cético quanto Danton. Como Danton, ele não suporta a sucessão dos dias, como ele ama o amor e não ama mulher alguma. Preso na repetição infinita de gestos, Leonce descobre que está cercado por uma comédia onde só se movem as engrenagens.
A metamorfose do homem em máquina cega é a mais grave conseqüência de sua maneira de viver os tempos. Em A Morte de Danton, o mecanismo é a História simbolizada pela guilhotina. Em Woyzeck, é a substituição do animal pelo homem – o Doutor trata Woyzeck como um gato naquele seu experimento. Trata-o mais cruelmente que ao gato, pois reduziu o homem ao estado de objeto. Em Leonce e Lena, o aspecto mecânico das coisas está no centro da ação cômica visto que a peça se desenrola graças ao casamento de dois manequins falsos.


Excedendo de longe uma época onde é a maior dificuldade consistia em negar a realidade e exaltar o sonho e revelando o trágico para o humor e o humor para o trágico, se sentindo infinitamente responsável e falível, Büchner nos coloca diretamente em encontro com a literatura que aborda a supressão da realidade na negação e que em seguida a suprime na cópia.
A idêntica distância entre o Naturalismo e o Romantismo deu corpo a esta união indissolúvel do mundo visível e invisível que está na origem do Teatro e permanece a sua única razão de existir.