quinta-feira, 30 de outubro de 2008
terça-feira, 28 de outubro de 2008
Olhar de criança
Universo infantil – O olhar da criança
Desde a primeira leitura de Woyzeck, a presença do universo infantil em fragmentos do texto me chamou atenção. Em particular, as constantes presenças e reações do filho de Maria e Woyzeck durante os acontecimentos e o anti-conto que a avó conta para crianças que brincam com Maria e que é a síntese da principal idéia do texto e, inclusive, da própria vida do autor: a desilusão.
Passei, então, a pesquisar a dramaturgia de Büchner através desse olhar infantil, explorando o porquê da presença de crianças no texto, brincando com a possibilidade dos personagens principais serem simbolicamente ‘crianças’ ou procurando imaginar a recepção infantil de cada fragmento cruel que o autor oferece.
Como a criança pensa e concebe o mundo ao seu redor?
A criança desenvolve uma memória imagética, misturando elementos reais e imaginários com os quais tem contato. Ou seja, ela elabora as informações recebidas em diferentes espaços culturais e, por não entender o mundo de forma fechada ou “correta’, constrói em sua imaginação situações, personagens e diferentes elementos fantásticos. Para a criança, portanto, a vida é uma brincadeira.
Foi através de brincadeiras que alguns fragmentos do texto foram explorados e encenados, inserindo elementos poéticos na dureza de Woyzeck: canções de roda, danças, presença de bonecos, personagens como bonecos, jogos de pique, apresentações infantis etc.
Além disso, características gerais da criança foram transportadas para personagens/atores adultos após exercícios de re-memorizações físicas e de discussões do elenco baseadas em experiências pessoais. Foram elas:
- As ações da criança, diferentemente das dos adultos, não são subordinadas ao olhar do outro. Isto é, para criança, o mais importante e natural é agir em respeito ao próprio desejo e somente a ele.
Essa característica se estende a todos os personagens nos momentos de entrega corporal e vocal e foi bastante explorada tanto para os bêbados e prostitutas da Taberna quanto para o assassinato de Maria pelo protagonista.
- Poder de imaginação da criança, já desenvolvido no início desse tópico.
Essa característica foi estendida a Woyzeck, no sentido dele imaginar para si próprio tudo que aconteceu entre Maria e o Tambor-mor. Em nenhum momento, o protagonista presenciou uma real traição, podendo ser explorados, pela encenação, construções e distorções do que Woyzeck imagina e se transforma em ‘fantasia’/ loucura.
- O choro e o grito infantil, principalmente em situações de perda (por mais boba que ela seja), são choros e gritos de morte. A vida é recebida com muita intensidade pela criança.
Intensidade de sentimento e de ação, como já dito na justificativa desse projeto, é a principal característica desse texto.
- A violência inocente que uma criança é capaz de cometer. Arranhões, puxões de cabelo, mordidas etc. Sem controle de si e sem medir conseqüências, as crianças, muitas vezes, se agridem e tentam agredir adultos.
Os momentos de violência do texto (Briga entre Maria e as vizinhas, Briga do Tambor-mor com Woyzeck e o assassinato de Maria) foram analisados e testados sob essa ótica.
- As latentes sexualidade e vaidade infantis. Crianças descobrem o mundo e o outro movidas por pulsões sexuais que, em desenvolvimento, se despertam. Além disso, crianças se penteiam, se maquilam, se arrumam constantemente.
Esses foram pontos trabalhados principalmente para a construção da personagem Maria.
Dessa forma, a brincadeira infantil foi explorada e foi transportada para lugares ‘adultos’ e ‘sérios’ do texto, revelando a realidade dos personagens do texto e criando um mundo de pesquisa nosso, isto é, do elenco e da direção, o qual foi dividido com os espectadores nas duas apresentações do laboratório.